Cultura
Testando o turismo em Serra Pelada
Serra Pelada tem um histórico de garimpo de ouro, mas guarda verdadeiras preciosidades em sua gente e sua cultura.
Expedição de turismo em Serra Pelada: Por esses dias, vivenciamos uma aventura bastante especial. Vocês sabem, que profissionalmente atuo com desenvolvimento de projetos socioambientais e muitas vezes, temos a oportunidade de trabalharmos com atividades de fortalecimento de vínculos com as comunidades, por diversos caminhos e formas e confesso, que as abordagens mais especiais para mim, são aquelas as quais lançamos mão a atividade turística para a sua concretização.
No nosso conteúdo de hoje, relato um pouco sobre um dia de campo dos mais especiais, vividos em Serra Pelada, distrito do município de Curionópolis, no estado do Pará, onde em parceria com a Câmara Empresarial de Turismo da Associação Comercial e Agroindustrial de Curionópolis, realizamos um exercício rico de reconhecimento sobre a possibilidade de desenvolvermos ações de promoção para o uso turístico deste distrito.
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Toda esta aventura se deu baseado nas paisagens, das passagens históricas, principalmente no período auge do garimpo, dos personagens que permaneceram por ali e que até hoje são a voz viva para o repasse dos acontecimentos da época, dos causos e das aventuras que foram registradas como um legado das décadas de 80 e 90 do século XX, quando ocorreu a descoberta das primeiras pepitas de ouro, resultando em uma das mais significativas passagens sociais e econômicas do garimpo no Brasil.
Luiz Alves da Silva: o Luiz Barbudo
Com a ajuda de abnegados moradores de Serra Pelada, alguns membros da Câmara Empresarial de Turismo, conseguimos organizar um roteiro de visitação, que nos gerou oportunidade de conhecermos alguns dos personagens mais emblemáticos daquele lugar, tendo inclusive a veracidade da voz de Luiz Alves da Silva, o Luiz Barbudo, que brilhantemente e com riqueza de detalhes nos guiou para conhecermos mais alguns pontos e figuras importantes do lugarejo.
Antes de falarmos sobre os lugares visitados, vale enfatizar um pouco a trajetória de Luiz Barbudo, que apesar de maranhense, deixou tudo para trás e de posse de todas as suas economias, pegou seu rumo e veio investir em Serra Pelada. Apesar de um trabalho intenso, não teve uma garimpada muito feliz o que o motivou a procura por outros ofícios para garantir o sustento da família, que permanecia no Maranhão.
Luiz Barbudo, é uma parte ambulante da história local. Conhecedor de pessoas e dos fatos, Luiz não se abstém de relatar todo o seu conhecimento para os grupos de visitantes que chegam ao distrito.
Maria do Pau da Mentira
Agora sim, seguimos com a viagem guiada por Luiz Barbudo. O primeiro ponto que nos levou, foi ao encontro de D. Maria Cleonice Lopes, conhecida como “Maria do pau da mentira”, onde mantém um simpático restaurante recebendo a todos com cordialidade, oferecendo uma comida caseira e simpaticamente apresentada pelos seus familiares, que a ajudam na gestão do estabelecimento.
Curiosa pelas falas sobre Serra Pelada, Maria Cleonice mantinha a expectativa de conhecer o lugar onde garantiria o seu futuro. Infelizmente por ali, no primeiro momento, a entrada de mulheres não era permitida e só a partir de 1986, com a permissão concedida, Maria optou por seguir o rumo do seu marido, desbravando uma nova oportunidade.
Maria e sua família conseguiram se estabelecer em Serra Pelada, com o ouro advindo do garimpo e foi assim que iniciaram um modesto restaurante, que hoje é, ao lado da emblemática árvore apelidada de “Pau da Mentira”, o ponto de encontro de moradores e visitantes.
Sobre o Pau da Mentira, segundo relatos de Luiz Barbudo, o que podemos dizer é que ali estava instalado o primeiro posto, guarita de controle da Polícia, onde tudo que entrava e saia do distrito era vistoriado e pelo visto, nem tudo que se contava por ali era verdade! Só não ficou claro, como os guardas à época, caiam em tanta lorota, por isso o local foi jocosamente batizado de Pau da Mentira
O Mirante da Cava em Serra Pelada
Seguimos nosso rumo e visitamos o mirante da Cava, já no terreno sagrado do garimpo, 30 anos depois com outra paisagem naturalmente, mas com aquela energia de gente circulando pra lá e pra cá, em fila indiana carregando o peso do trabalho do dia na esperança de alguma riqueza por entre os quilos de barro, que seguiam nas costas.
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A diferença na performance do garimpeiro Luiz daquela época pra agora, é que Luiz Barbudo, ainda pouco experiente como guia de turismo, saiu em disparada à frente do grupo, contando suas estórias em alto e bom som, e pouco ligando se os “turistas” o escutavam ou não, mas sem dúvidas, desempenhava brilhantemente sua tarefinha do dia, se embrenhando em subidas e descidas escorregadias na mata.
Com trajeto difícil ou não, fato é que Luiz Barbudo nos deu a oportunidade de contemplar a magnífica paisagem da antiga cava, bem como de toda a serra que circunda o espaço do antigo garimpo, por um outro ângulo, em uma altitude que descortinou cenas tão privilegiadas.
Do Ceará veio Chico Osório
No caminho de volta do Mirante da Cava, conhecemos outra figura emblemática, o Sr. Francisco Osório ou simplesmente Chico Osório, que migrou de Fortaleza no Ceará, para Serra Pelada, quando soube da onda de trabalhadores que procuravam esta região do Pará para a exploração dos filões de Ouro.
Ainda que, sem entender nada do garimpo, Chico Osório se cercou de coragem e esperança e em Serra Pelada, tirou ouro, aprendeu o ofício e se apaixonou por aquela terra onde vive até os dias de hoje e o melhor, vive como um bom eremita ainda à beira da cava principal, onde mantém dentro de sua choupana, a sua própria cava, onde até os dias atuais mantém sua prospecção artesanal e bastante rudimentar, em uma busca esperançosa por um novo filão.
Seguindo na expedição de turismo na Serra Pelada
Continuando o roteiro do dia, tivemos a oportunidade de seguirmos nesta prospecção, conhecendo também na montanha da cava, as ruínas das nem tão antigas instalações da Colossus, uma empresa canadense, que teve uma atuação razoavelmente curta e que é outra parte instigante deste destino, mas que não vou explorar este tema por agora.
Por lá, por entre as ruínas das instalações originais da empresa, caminhamos debaixo de um mormaço e um sol causticante até a boca do monumental túnel presente por ali até os dias de hoje. Realmente um ambiente que desperta e aguça nossa curiosidade sobre aquela estrutura instalada por ali.
Com parte do grupo inicial já disperso, as cachoeiras locais foram outro ponto visitado e claro, encantou a todos pela beleza natural, pela fartura da água e não pecaram no quesito dificuldade para se enfrentar o acesso ao local, afinal, qual é a cachoeira neste Brasil, que nos oferece um acesso facilitado não é mesmo? Até existem, mas não oferecem o mesmo esplendor das estruturas mais escondidas como as de Serra Pelada.
Para mim, a parte mais interessante, foi conhecer a Chácara Grota Rica, a antiga residência do Major Curió, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Coronel reformado que foi um dos comandantes da repressão à Guerrilha do Araguaia, um movimento de resistência armada à ditadura militar no Brasil.
Major Curió, admirado por muitos até os dias atuais, também foi o responsável pelo controle com “mãos de ferro” o garimpo em Serra Pelada. Em sua antiga chácara hoje, funciona uma espécie de balneário para nativos e visitantes e fica localizada em uma enorme área, muito bem tratada no coração do distrito. Uma visita interessante, que aguça memórias do controle rígido com o qual Curió comandava toda aquela efervescência humana.
Seu Zé Branquinho
A grande surpresa da tarde, foi a visita à residência do seu Zé Branquinho, um antigo garimpeiro de alma extremamente sensível, que já há algumas décadas reúne um acervo fabuloso de filmes já produzidos sobre Serra Pelada, documentários de sua autoria, registros sobre os grandes feitos da época auge do garimpo onde brotavam as pepitas de muitos quilos com o mais genuíno ouro da serra, mapas, registros geológicos, geomorfológicos, uma riqueza de documentos, imagens, entrevistas e conteúdos de interesse geral, que só mesmo uma alma iluminada se dedicaria a promover!
Zé Branquinho foi uma grata surpresa neste dia e a visita foi dessas, que se descuidássemos do tempo, passaríamos horas e horas sem canseira, porque a riqueza das palavras daquele anfitrião, certamente nos deixou embevecidos com tanta sabedoria. Uma visita que é imperdível, para quem visita Serra Pelada.
Bordado, azulejaria e a vida pós garimpo em Serra Pelada
Finalizando o roteiro, visitamos também o projeto social, que movimenta 80 bordadeiras do local, que de forma muito talentosa, se reúnem mensalmente, durante uma semana inteira, contando suas experiências de vida, trocando informações quotidianas, aprendendo, aprimorando e dando cores ao seu talento criativo por meio das linhas e agulhas. Um respiro de brisa em meio a um dia tão quente que vivemos.
Finalizamos a aventura, com uma passagem pelo projeto Azulejaria, onde um grupo de professores de artes, desembarcam mensalmente em Serra Pelada, para orientarem e formarem jovens artistas que dão cor e forma aos murais de azulejos, fazendo valer o nome do projeto, Arte, Memória e Futuro em Serra Pelada.
Aliás, vale dizer, que tanto a realização deste dia de campo para percepção para o turismo, o projeto das bordadeiras quanto o projeto da Azulejaria, fazem parte de programas sociais das empresas de mineração que atuam na região e fortalecem o vínculo institucional com as comunidades onde atuam com formação, criatividade, tecnologia, pesquisa e muita arte. As atividades artesanais relatadas, são propostas, que também, que merecem ser conhecidas.
E é isso, tivemos um dia intenso em Serra Pelada e acreditem, se era dúvida o que seria de Serra Pelada após o garimpo, podem ter certeza de que o turismo é uma atividade econômica, que cabe perfeitamente por ali.
Não digo, que é um destino já pronto, mas afirmo, o sentimento é que um dia foi pouco para conhecermos o tanto de informações visuais, auditivas, sensoriais, naturais e muito saborosas, que Serra Pelada tem a nos oferecer.
Vencemos o dia, com a sensação de redescobrirmos aquele lugar, que particularmente para mim, já era tão sagrado!
Que gente interessante, quantas junções se deram ali, quanta energia, suor e verdades foram sentidos por lá construindo um legado de crença, de força, coragem, determinação e fé e com tudo isso, nos deixaram um legado histórico para ser revisitado com tanta fertilidade.
Seguimos nosso trabalho junto à Câmara Empresarial de Turismo da Associação Comercial de Curionópolis cientes, que nosso brilhante trabalho de estruturação de um novo e potente destino turístico no Brasil, está só começando.
Espero ter aguçado a sua curiosidade com minhas palavras, porque era essa mesmo a minha intenção.
Ficamos por aqui, para um bom descanso depois de tantas aventuras. Até Breve!
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