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Turismo Responsável – uma prosa que não deve ficar apenas na WTM Latin America

Entrevista com Marianne Oliveira Costa, uma das autoras do livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram!”, fundadora e CEO do Grupo Vivejar, atua como consultora e palestrante há mais de 17 anos.

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Foto: Marianne Oliveira Costa/ Capa do livro "Turismo Responsável: resultados que inspiram"

Nos últimos dias 15, 16 e 17 aconteceu em São Paulo a World Travel Market (WTM) Latin America. Uma das principais feiras de turismo do Brasil, que abre o calendário nacional de atividades profissionais do turismo.

Com o tema “The Future is open. Be the change”, o evento de 2024 mostrou que o setor turístico está, e deve, mostrar-se atento e atuante aos desafios globais que se apresentam. Informação esta que foi tratada diretamente na escolha do tema, escolha do principal palestrante da abertura, o indígena Daniel Munduruku, o ineditismo da Rota da Diversidade, que elencou experiências diversas dos destinos com foco em Afroturismo, Turismo 60+ e Turismo LGBTQIAPN+, finalizando nos temas de palestras e outras ações.

Entre as temáticas desafiadoras, sempre uma interface, ou até mesmo menção, ao Turismo Responsável. Compreendo que é um debate que precisa ser cada vez mais promovido, para além de eventos como a feira, e por isso, convido para compartilhar conhecimento e reflexões, Marianne Oliveira Costa, uma das autoras do livro, lançado também como parte da programação da WTM-Latin America, “Turismo Responsável: resultados que inspiram!” Que conta também com a autoria de Ana Rosa Guimarães Bastos Proença, Gustavo Pereira Pinto e Karina Toledo Solha (coordenadora).

Turismo Responsável com Marianne Oliveira Costa

Marianne é fundadora e CEO do Grupo Vivejar, um ecossistema de soluções em Turismo Responsável formado pela empresa Vivejar Experiências e pelo Instituto Vivejar. Atua como consultora e palestrante há mais de 17 anos. Membra fundadora do Muda! Coletivo Brasileiro pelo Turismo Responsável. Em 2018 recebeu o Prêmio Nacional de Turismo do MTUR e em 2020 foi vencedora do WTM World Responsible Tourism Awards.

1- Quando falamos em inovação, geralmente, as pessoas pensam em tecnologia. Porém, inovação tem um conceito ainda mais amplo, e no turismo isso é perceptível quando falamos em inovação social por exemplo. Como você avalia as oportunidades ou o impacto que as inovações de cunho social podem trazer para a atividade turística? 

Vejo uma grande oportunidade de agregarmos valor à oferta turística convencional através da inovação social nos destinos turísticos. Inovar socialmente nada mais é do que ampliar o impacto positivo da atividade e isso pode ser feito de diversas formas: inserindo mais pessoas e experiências locais culturais, gastronômicas ou até mesmo pedagógicas. O turista hoje quer andar mais à pé, visitar comunidades periféricas, provar cada vez mais ingredientes regionais, fazer intercâmbio entre culturas jamais visitadas, desmistificar estereótipos conhecendo comunidades indígenas e quilombolas, visitando terreiros, conhecendo festas populares. Se tudo isso for feito de forma responsável, incluindo estas pessoas, antes marginalizadas, como protagonistas, já estamos inovando socialmente. Neste caso, inovação não precisa significar algo que nunca foi feito antes em nenhum lugar, mas se o processo de desenvolvimento da experiência turística for mais inclusivo e diverso, já será muito inovador! 

2- O Brasil já vem debatendo turismo de base comunitária há algum tempo, você é uma das profissionais que aporta qualidade a este debate. Quais os avanços você já percebe e quais os gargalos sobre o tema no Brasil?

Com relação ao avanço, depois de quase 18 anos falando sobre isso, ver o Turismo De Base Comunitária (TBC) se tornar “tendência” é muito gratificante. Sabemos que o investimento turístico é prioritariamente de ordem pública e se agora é tendência, está pautando o poder público e entidades de fomento tão importantes como os Sebraes a investir cada vez mais. Hoje os meus principais projetos nesta temática são com a dobradinha Estado/ Sebrae, é uma conquista. Conquista essa que reflete também o desejo do turista. Então, não é mais sobre o que nós consultores acadêmicos e gestores achamos que é importante. É sobre a experiência que o turista quer viver e o turismo de base comunitária, em parceria com o mercado responsável, entrega isso!

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Quanto aos gargalos, acho que como todo assunto “da moda”, surgem também aqueles que se apropriam do termo para “vender mais”, fazer “greenwashing” e infelizmente, enganar o consumidor, que tem pouco embasamento para diferenciar as empresas sérias e as “não tão sérias”. Ao mesmo tempo que a internet reduziu a distância entre os intermediários no turismo e nos fez, como operadores e agências, ter que agregar cada vez mais valor, também possibilitou que qualquer um que se diga “sustentável” e tenha um bom discurso se promova como parceiro do TBC. Tem algumas práticas comerciais que, na minha opinião, não são compatíveis com os princípios do TBC. Vender 3 experiências indígenas em “combo” parcelado durante uma “black friday” são algumas delas. O respeito deve acontecer desde a promoção, passando pela venda e incluindo a operação e pós venda, TBC é ferramenta de resistência!

3- Dia 21 de abril é celebrado o Dia Internacional da Criatividade e da Inovação pela ONU, e no Brasil, também celebramos a Inconfidência Mineira, o primeiro movimento pautado pela liberdade ainda no Brasil Colônia. Para você, como criatividade, inovação e liberdade se complementam? 

Uai, um não vive sem o outro. Que linda celebração! Não há liberdade para mim sem RESPEITO. Acredito muito que se buscarmos cada vez mais experiências turísticas que respeitem o protagonismo dos povos tradicionais, dos nossos mais velhos, da cultura e resistência viva em cada associação comunitária, em cada movimento coletivo, seremos criativos e inovadores. A liberdade é diversa e inclusiva, assim como deve ser a inovação no turismo. É um caminho sem volta. 

4- Cada vez mais a Agenda 2030, alinhada aos 17 ODS tem sido pauta em diversos setores econômicos, entre eles, o turismo. Antes, tratado especificamente através do termo “Turismo Sustentável”, que aos poucos vem sendo substituído pelo termo “Turismo Responsável”. Quais os pontos em comum e as diferenças entre eles?

Eu poderia mencionar diversos conceitos e autores acadêmicos que dissertam sobre isso. Mas gosto de uma visão do Turismo Responsável bastante simplificada do Prof. Harold Goodwin, que inclusive inspirou nosso lema no Instituto Vivejar que é: Turismo Responsável é tornar lugares melhores para se viver e se visitar, nesta ordem! Ou seja, tem que ser bom para quem mora e tem que continuar sendo depois do turismo. Como fazemos isso? Tomando a responsabilidade por ampliar nosso impacto positivo nas principais dimensões da Sustentabilidade: econômica, social e ambiental.

Um gap entre os conceitos também é sobre as classificações. Em geral, um empreendimento é ou não sustentável, e isso é estático! Mas a sustentabilidade é inatingível, é um caminho a se percorrer para sempre. Já quando falamos em “tomar responsabilidade”, é algo mais realista. Ou seja, não acredito que nada nem ninguém no nosso mundo atual seja de fato sustentável, mas acredito que muitos estão tomando responsabilidade em busca de um mundo mais sustentável. 

5- Recentemente você lançou o livro “Turismo Responsável: resultados que inspiram”, em parceria com outros 3 autores compartilhando experiências de sucesso. Pode compartilhar, de forma resumida, um dos exemplos e porque ele é uma referência?

Sim. Não posso dizer que é meu favorito, pois todos foram meus alunos no Instituto Vivejar e se estão entre os 10 casos é porque tomaram responsabilidade e têm resultados efetivos comprovados. Vou citar a Camilla Gonçalves, do Hostel da Milla, localizado em Presidente Figueiredo/ AM. Empreender na Amazônia não é fácil, sendo mulher menos ainda. E a Camilla consegue hoje, prestes a dar a luz, manter uma gestão inovadora, uma equipe majoritariamente feminina e extremamente feliz, liderar a organização da governança do turismo no município, ser super corajosa ao tomar decisões que minimizem seu impacto ambiental (como por exemplo não vender mais água em garrafa e destinar corretamente seus resíduos recicláveis, mesmo não contando com esse serviço público), além de atuar ativamente no movimento dos hostels no Brasil. Ou seja, uma empresária que ocupa múltiplos papéis e ainda encontra tempo para se dedicar a causas importantes para o turismo local e nacional. Sou muito fã!

Instagram: @hosteldamilla

6- Qual o papel do gestor público, do empresário, do cidadão local e do turista no desenvolvimento do turismo responsável?

Acredito que o principal papel de todos eles, menos o turista, é de unirem para sonhar e executar o destino turístico que desejam. Ouço muitas reclamações de todas as partes, troca de acusações de omissão e principalmente, conflitos. Sabe o principal problema do turismo? Não é falta de dinheiro, como muitos pensam. É a gestão de pessoas e conflitos. As pessoas não conseguem entender que: 1) não se faz turismo sozinho (feliz ou infelizmente), é preciso se relacionar com os demais atores. 2) ninguém precisa ser melhor amigo e se amar, basta focar no que une aquele grupo, aquela pauta. Algum deles precisa assumir a responsabilidade por manter os demais focados. E de verdade, acho difícil que seja o poder público, pelas limitações de troca de gestão a cada 4 ou 8 anos. A verdade é que isso facilita quando você tem servidores concursados e qualificados que possam assumir essa responsabilidade e esse histórico. Porque o turismo responsável é feito de médio e longo prazo!

Já o turista, ele precisa se informar. E isso está cada vez mais fácil. Assim como no setor de alimentação existem os ultraprocessados e os orgânicos, no turismo é igual! Mas ainda não temos uma legislação que padronize nossos rótulos. Por isso, o turista que deseja seguir sua consciência também na hora de viajar precisa fazer um pequeno dever de casa e se informar melhor de onde ele consegue vivenciar experiências mais “orgânicas” e menos ultraprocessadas. 

7- Para fechar, ainda pela proximidade do dia 21 de abril, sabemos que mulheres são maioria absoluta na atividade turística, porém, ainda minoria em cargos de liderança. Como a inovação social pode contribuir para mudar este cenário e ampliar o reconhecimento e desenvolvimento de carreiras femininas no turismo? 

Eu de novo com as minhas premissas: não há inovação social sem diversidade, inclusão e criatividade. Não é só uma questão de reparação histórica (mas é também rs). Mas é uma questão estratégica. É do feminino ser mais hospitaleira e criativa. O Turismo é feminino. Acontece que, por muito tempo, as mulheres aceitaram ser coadjuvantes enquanto homens, brancos e mais velhos, em sua maioria, levaram crédito pelo trabalho delas. Acontece que a ampliação do debate e da consciência está trazendo essas mulheres para a reflexão. Agora elas já sabem que existe um nome para cada tipo de comportamento ruim ao qual elas foram submetidas: todas os tipos de assédio, síndrome da impostora, “gaslighting” ou manipulação, “mansplaning”,machismo.

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O turismo ainda precisa avançar MUITO neste debate. Muitas mulheres, que ainda estão subordinadas a homens, se sentem intimidadas a trazer seus exemplos a público. Poucas mulheres se sentem livres para criticar eventos a atitudes machistas, com medo de represálias. Temos muitas empresas familiares, que parece que nunca ouviram falar em compliance. No poder público, o turismo ainda é moeda de troca entre favores políticos. Todo esse ambiente, ainda muito masculino, inibe a maioria das mulheres a buscarem com mais afinco seus direitos e uma mudança real que merecemos. Mas não vamos desistir. Cofundei com outras mulheres incríveis e necessárias o movimento Mulheres do Turismo em Rede e vejo com esperança a tomada de consciência delas nas nossas trocas diárias no nosso grupo de whatsapp. O que não é visto não pode ser curado. Estamos começando, mas sinto que a evolução será rápida. Não há como “desver”.

Obrigada Marianne, pela troca e pelas boas provocações!

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