Julho, para além das bandeirinhas, mas ainda em cores - Uai Turismo
Conecte-se conosco

Turismo e Inovação

Julho, para além das bandeirinhas, mas ainda em cores

Ao considerar a atividade turística uma forma de aproximar e promover encontros entre pessoas com diferentes histórias de vida, culturas e desejos, o turismo também se torna uma ferramenta para a promoção da diversidade, da inclusão e do respeito.

Publicado

em

O mês de julho, além das cores das quadrilhas juninas, traz as cores do arco-íris em diversas iniciativas de celebração e eventos do orgulho LGBTQIAPN+ (Foto: Freepik)

Cada vez mais, vemos iniciativas e debates em torno de uma sociedade que celebra sua diversidade, que se pauta pelo respeito e compreensão em torno dos direitos de todos os cidadãos.

Ao considerar a atividade turística uma forma de aproximar e promover encontros entre pessoas com diferentes histórias de vida, culturas e desejos, o turismo também se torna uma ferramenta para a promoção da diversidade, da inclusão e do respeito.

Já que estamos encerrando o mês de julho que, além das cores das quadrilhas juninas, traz as cores do arco-íris em diversas iniciativas de celebração e eventos do orgulho LGBTQIAPN+ convidei o Afonso Martin para um bate-papo sobre o tema.

Sobre Afonso Martin

Afonso é Consultor em Empatia, Diversidade e Inovação, atua na gestão de projetos e no desenvolvimento econômico sustentável. Possui trajetória com passagens na administração pública municipal e estadual, e no terceiro setor. Ainda como profissional e posteriormente como empresário, atuou no mercado varejista e em diferentes setores da economia criativa. Turismólogo de formação pela PUC-SP, conhece bem o setor onde voltou a atuar depois de sua estada na Alemanha, onde incluiu o mercado digital em sua experiência profissional. Desde 2019 atua profissionalmente com a diversidade como ferramenta de desenvolvimento econômico com passagens pela INVESTSP (Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade) e a Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil.

Está Coordenador municipal da ABRAFH (Associação Nacional de Famílias Homotransafetivas) na cidade de São Paulo e membro da Coordenação nacional bissexual da Aliança Nacional LGBTI+.

Foto: acervo pessoal/Afonso Martin

1. O mês de julho celebra o orgulho LGBTQIAPN+ quando são realizados eventos, festas, paradas e muito mais. Para você, qual a importância destas ações e quais são ainda os principais desafios para a comunidade?

Manifestações populares, independente de suas origens, são sempre importantes de serem prestigiadas porque representam uma expressão coletiva sociocultural de um segmento ou de uma parcela de pessoas que possuem um conjunto de características em comum. Toda manifestação coletiva possui uma importância de representatividade e de se fazer conhecida perante o restante das pessoas que compõem uma comunidade, um povo, uma nação ou um país. Reconhecer, ou conhecer também, um espaço público para as demais pessoas que permeia uma luta é uma forma de compreender a vivência da liberdade e do exercício contínuo das individualidades e de uma busca por uma vida digna.

Celebrar as pessoas, as suas lutas e as suas conquistas, é sempre uma poderosa ferramenta de conexão para compartilhar a sua existência. Assim como celebramos momentos que são importantes para nós, como aniversários, formaturas, amores, desamores e até mesmo as despedidas. Nesse sentido, assim como as demais celebrações sociais, celebrar o orgulho LGBTI+ propicia conexões, consciência e visibilidade para questões que são importantes para uma parcela da sociedade.

LEIA TAMBÉM: Economia Criativa e Turismo, mais do que matéria-prima para boas experiências

Advém daí os principais desafios. A invisibilidade, o não reconhecimento de que pessoas LGBTI+ são também detentoras de direito ao respeito, à dignidade e a sua existência, cria o ambiente do qual somos testemunhas. As contínuas violências e apagamento que perpassam pelo não reconhecimento de direitos fundamentais hoje garantidos a boa parte da população em geral e muitas vezes negados a pessoas LGBTI+, como o simples acesso e uso de um banheiro.

2. Quais são os principais diferenciais que destinos e prestadores de serviços em turismo devem apresentar para conseguir chamar atenção de turistas lgbtqiapn+?

Assim como em qualquer segmento mercadológico, o principal diferencial é o profissionalismo e a excelência. Ambos conquistados por meio de informação qualificada, conhecimento e técnica para o desenvolvimento estratégico de serviços e produtos que atendam um determinado grupo de consumidores. Fugir dos estereótipos é fugir também do amadorismo. Conhecer os dados mercadológicos e buscar informações sérias sobre o assunto, permitem que você compreenda melhor a parcela que tem o maior gasto médio por viajante dentro de todo o mercado de viagens no mundo. Compreender que essa parcela de viajantes tem características em comum que são importantes a serem compreendidas para a construção de serviços e produtos de viagem.

Mas, assim como qualquer outra segmentação, também possui dentro de si uma diversidade grande e que extrapola uma compreensão estereotipada. Como pensar que o turismo LGBT é apenas sobre festas, cruzeiros e vida noturna. O viajante LGBTI+ também viaja com seus amigos e familiares que não necessariamente pertencem a comunidade LGBTI+. Nesse sentido, é importante que você esteja preparado para atender todas as pessoas, em toda a sua diversidade, de maneira respeitosa, hospitaleira e acolhedora. Pode ser algo muito semelhante ao que a gente defende para todos os segmentos profissionais, mas neste caso, tem um fator mais sensível. Viajantes LGBTI+ desistem de destinos e atrativos que não transmitam a segurança necessária para que se sintam acolhidos e respeitados durante a viagem. Concretamente, você provavelmente está perdendo dinheiro por não estar atento a um segmento mercadológico importante.

3. Nos últimos anos a pauta de diversidade vem crescendo, e a atividade turística também acompanha essa evolução. Como você avalia projetos, roteiros, preparo dos destinos e prestadores de serviços para o atendimento a este perfil de público?

Infelizmente, este é o ano mais contido de ações e campanhas de empresas pró LGBTI+ dos últimos 15 anos. Paralelamente ao contínuo crescimento econômico de serviços e produtos, assim como de crescimento e a inserção econômica da população LGBTI+. Há um movimento mundial de reconhecer não só esta, mas outras várias existências humanas e diante disso, temos enfrentado reações bastante agressivas e violentas de uma parcela diminuta de pessoas, mas que tem alterado a forma como as empresas tratam o assunto. Como por exemplo, a total descontinuidade do Departamento de Diversidade e Inclusão da Microsoft.

Nós gostamos de nos reconhecer nos espaços que frequentamos e por isso o consumidor busca na sua decisão de compra reconhecer a si mesmo nas suas experiências e preferências. Não à toa as estações de metrô na cidade de São Paulo possuem nomes de times de futebol, os restaurantes que fazem segmentação proporcionam experiências tematizadas como a tendência dos últimos anos conectadas a temas literários ou cinematográficos.

Conectar a sua proposta de negócio às experiências que o consumidor LGBTI+ procura, é compreender como estratégia de mercado querer se conectar a um potencial mercadológico significativo. Nesse sentido é importante ter na sua equipe também uma diversidade que represente o seu consumidor: quem não gosta de esporte, não será um bom vendedor em uma loja esportiva.

4. Você pode citar projetos, instituições e destinos que vem fazendo um trabalho diferenciado em respeito, acolhimento a turistas LGBTQIAPN+?

A “LGBT+ Turismo Expo do Brasil” conquistou espaço estratégico por sua qualidade e profissionalismo, e vem promovendo de maneira assertiva destinos e atrativos turísticos. Participar desses eventos é uma forma de se profissionalizar, mas também divulgar os seus produtos e serviços. Estar em um ambiente de negócios sério, demonstra ser uma estratégia profissional assertiva para quem quer desenvolver o seu negócio de olho nesse consumidor.

LEIA TAMBÉM: Afroturismo: por quem e para quem?

A cidade de São Paulo, detentora da maior Parada LGBT do mundo, tem promovido positivamente um circuito específico. Destinos que demonstraram melhor desempenho, investem no treinamento e profissionalização do trade para promover um melhor ambiente de negócios dos seus destinos, como o estado do Mato Grosso do Sul, e como também tem feito a Embratur na atual gestão.

O investimento em pesquisa é essencial. Programas que promovem o conceito de cidades inteligentes, como do SEBRAE Nacional ou do Ministério do Turismo são ótimas oportunidade para o desenvolvimento de políticas com efeitos reais e concretos na economia do turismo. Juiz de Fora, cidade do Miss Brasil Gay, e Belo Horizonte tem atraído cada vez mais turistas com o crescimento do segmento e a busca por novos destinos e experiências de viagem de pessoas LGBTI+. A rede Accor é sem dúvida, um dos melhores exemplos de sensibilidade e inteligência empresarial com o segmento.

Foto: acervo pessoal/ Afonso Martin

5. Como entidades como a câmara nacional LGBT e IGLTA podem contribuir para ampliar cada vez mais a qualidade de serviços e produtos turísticos brasileiros?

Espaços como da Câmara, IGLTA ou mesmo do SEBRAE, produzem conhecimento mercadológico promovendo um ambiente de negócios profissional. A IGLTA, promove principalmente a internacionalização daqueles destinos e negócios mais maduros para atender o viajante estrangeiro.

Estar associado a entidades que promovam verdadeiramente o seu empreendimento ou destino, pode ser fator de diferenciação diante da concorrência. Estas entidades, assim como a Aliança Nacional LGBTI+ ou o Fórum de Empresas LGBTI+ são espaços que promovem também conhecimento e profissionalização do empresariado e das empresas, sendo muitas vezes a diferença entre o sucesso ou não de uma estratégia para conquistar esse cliente que possui, diante da violência social, mais cuidado nas suas escolhas.

6. Vemos muito debate sobre ações ESG e diversidade em empresas e instituições. Como as empresas vem atuando junto a comunidade, seja pelo apoio aos eventos, seja proposta de suporte a comunidade LGBTQIAPN+?

Há atualmente um certo desgaste com a temática de diversidade. É importante compreender que a diversidade engloba um espaço dentro de uma discussão maior quanto as questões ambientais, sociais e de governança. É preciso compreender a diversidade e a população LGBTI+ como imersa dentro de uma discussão maior que engloba também outras parcelas populacionais e outras diversidades.

Portanto, a discussão da diversidade LGBTQIAPN+ desconectada do movimento mercadológico global preocupado também com a sustentabilidade é um desacerto. A sustentabilidade, não só ambiental, permeia hoje a preocupação dos empreendimentos quanto a sua continuidade. É preciso compreender que a discussão sobre diversidade passa por intersecções de diferentes setores populacionais. Afinal, uma pessoa LGBTI+ é também mulher, pessoa preta, com deficiência ou com 60 anos ou mais.

LEIA TAMBÉM: O turismo estranho, o excêntrico e o esquisito

É necessário compreender a diversidade de maneira mais ampla e conectada a diferentes segmentos e perfis. Como comentei, temos identificado mudanças comportamentais com a questão, mas é preciso compreender que não há futuro sem estarmos todos juntos nele. Assim como não há planeta B, precisamos compreender que o futuro está no reconhecimento das individualidades, das diversidades e das pessoas. Não a toa, estamos falando mais de B2P: business to people.

Com esta última frase, agradeço a colaboração do Afonso, que trata com leveza, e didática, tema ainda muito sensível.

E, deixo a pergunta pra você, empreendedor: Já pensou se seu empreendimento está perdendo oportunidades por não conhecer mais as demandas da comunidade LGBTQIAPN+?

Para você, gestor: seu destino, compreende as necessidades, especialmente em torno da segurança, da comunidade?

E você, turista LGBTQIAPN+, qual destino te surpreendeu, e te acolheu?

Siga o @portaluaiturismo no Instagram e no TikTok @uai.turismo

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.