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Turismo e Inovação

Quem quer ser um turismólogo?

Entenda a complexidade de se formar um profissional em turismo e o que fazer para manter os jovens no setor.

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Foto: rawpixel.com/ freepik

Ingressei no curso de turismo em fevereiro de 1999. À época, existiam, em Belo Horizonte, apenas 3 universidades que ofertavam a graduação. Quando me formei, em 2002, eram mais de 10.

Hoje, mais de 20 anos depois, poucas universidades ainda mantém o curso de turismo na capital mineira. Algumas o transformaram em curso técnico, outras direcionaram para uma área de atuação, a exemplo da hotelaria. E me atrevo a dizer que a situação se repete na maior parte dos estados brasileiros. As razões para a oscilação deste cenário são diversas. Desde o boom de cursos em virtude da criação do Ministério do Turismo em 2003, pela captação de eventos internacionais para o Brasil, como Copa do Mundo e Olimpíadas, passando pelo fato de ser um curso de relativo baixo investimento. O que não acontece com os cursos das ciências da saúde, como odontologia, medicina e outros. Assim como a criação de diferentes ferramentas de crédito e financiamento universitário, facilitando o acesso às universidades.

Não acredito que quantidade seja sinônimo de qualidade, especialmente quando tratamos de educação. Porém, com certeza a oscilação de cursos acompanha a oscilação de demanda pelos mesmos, que claro, está diretamente conectada à empregabilidade e oportunidades de trabalho para os profissionais pelo mercado e toda sua cadeia produtiva.

Formação necessária para ser um turismólogo

Apesar de se falar muito em turismo, em sua relevância estratégica, necessidade de políticas públicas específicas para o setor, do tanto de potencial que o Brasil tem para atrair ainda mais investimentos e turistas, e da necessidade constante de se pensar a inovação, ainda se discute pouco sobre as características e particularidades da formação em turismo e da capacitação profissional necessária para atuar na atividade turística. Setor que tem a possibilidade de incluir profissionais com formação na área ou sem formação, mas com experiência de atuação.

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A cadeia produtiva do turismo é diversa. Envolve uma série de atividades distintas e ocupações em níveis operacional, tático e estratégico. Por isso, o aprendizado também deve indicar as oportunidades nos diferentes níveis e proporcionar conhecimento e formas de buscá-lo. Claro que não tenho a utopia de acreditar que um único curso de graduação, ou outros formatos ofertados, poderia abarcar toda a complexidade e todas as oportunidades de trabalho neste setor tão heterogêneo. Entretanto, compreendo que a formação deve incentivar e contribuir para o pensamento crítico. Bem como para a compreensão estratégica do setor e trazer a inovação como tema transversal.

Conhecer, vivenciar e aprender sobre o dia a dia e a operação dos meios de hospedagem, agências e operadoras de viagem, companhias aéreas, bares, restaurantes e outros empreendimentos de alimentos e bebidas, eventos, transportes em geral, além das atividades em torno de legislação e políticas públicas são parte do encantamento pelo turismo e são necessários para a formação.

Porém, tão importante quanto, está a necessidade de ampliar o escopo de aprendizado com temas mais recentes, que tratam das conjunturas atuais de mercado. Especialmente do futuro do trabalho e do futuro do trabalho em turismo. Assim, adquirir conhecimento em pesquisa e análise de dados, tecnologia e ferramentas digitais, inteligência artificial, gerenciamento de projetos, internet das coisas, é urgente. Assim como desenvolver habilidades como criatividade, inteligência emocional, gestão de pessoas, comunicação assertiva entre outros, também.

Conhecimentos e habilidades que são cruciais para atuação em turismo, setor em constante mudança, extremamente volátil e que demanda articulação entre tantas atividades e tantos outros setores, como educação, agricultura, cultura, relações internacionais, segurança, indústria.Por isso, ter a sensibilidade de perceber os pontos de convergência entre estes setores e o turismo é primordial para a solução de problemas e desafios para o avanço do setor.

Iniciativas OMT

Iniciativas recentes lideradas pela Organização Mundial do Turismo vem buscando debater a educação para e pelo turismo, como forma de transformar a realidade de diversos territórios e sua população. Recentemente a entidade anunciou um curso de graduação em turismo sustentável. Em parceria com uma universidade suíça, desde 2018 lançou uma série de desafios direcionadas às start ups, envolvendo universidades, empreendedores, entidades do terceiro setor, buscando reflexões e soluções para problemas e gargalos. Além disso, vem orientando aos países membros para que fortaleçam iniciativas de capacitação e qualificação profissional. Com destaque especial para os jovens, visto que dados da organização indicam que apenas 50% das pessoas que atuam no turismo possuem curso superior.

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É fato que o turismo é um dos setores que mais gera oportunidades de primeiro emprego para que jovens ingressem no mercado de trabalho. Seja como recepcionistas de hotéis, recepcionistas em eventos, garçons, recreadores e tantas outras ocupações. Porém, é também comum que a maioria tenha a atividade turística apenas como um processo intermediário ou temporário para desenvolvimento de suas carreiras. Especialmente por não identificarem oportunidades de crescimento nestas atividades, para além de ocupações em nível operacional.

Como manter o jovem no setor?

Para que o turismo desperte o interesse de jovens na busca por carreiras longevas, para além da ação meramente operacional, é preciso atentar aos ajustes nas propostas de formação, e também compreender que é uma geração que busca por propósito, senso de pertencimento, necessidade de contribuição com um mundo melhor, oportunidade de criar e inovar e se distancia de funções extremamente rotineiras e operacionais.

A melhora na formação profissional passa também por um acordo e ação conjunta para além das universidades e escolas de formação. É preciso que empreendedores, poder público e terceiro setor também se envolvam na proposta. Em tempos de amplo debate sobre Agenda 2030, 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, responsabilidade social e turismo responsável, pensar a empregabilidade em turismo apenas pelo viés quantitativo não é suficiente.

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Sim, é preciso rever os processos formativos ofertados de maneira que seja possível compreender as atividades operacionais. Mas que desperte a resiliência, a capacidade de adaptação, a criatividade e o “pensar fora da caixa”. Para que então, cada vez mais, profissionais mais qualificados, tenham oportunidade de trabalho e emprego.

Mas é também imprescindível que este desafio seja tratado pelo viés de um pacto coletivo. A qualidade do turismo, a qualidade da experiência turística em qualquer destino, nasce da qualidade na prestação de serviços. E isso está diretamente ligado à qualificação pela qual os agentes locais passam.

Dessa forma, apesar de não ser uma ação que projete resultados em curtíssimo prazo, ao longo do tempo, estes profissionais poderão realmente contribuir para um efetivo planejamento e fomento à atividade no país, fazendo com que o “pensar estratégico” do turismo, não seja apenas discurso. Reforçando a máxima que sempre tratamos: para ser bom para o turista, tem que ser bom para o residente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.