Gastronomia
Menu degustação do Bar Dona Onça é uma ode gastronômica e estandarte do Brasil
Harmonização com chás ou drinks, ingredientes e receitas brasileiras que reúnem o Brasil
Foi-se o tempo que um bom restaurante apenas servia comida boa para satisfazer a vizinhança. Hoje as escolhas de chefs empreendedores são pontuadas e questionadas como movimentos que traduzem e reivindicam falas, questões sociais, sustentáveis, um verdadeiro ato político de resistência, seja pela escolha dos feijões e seus pequenos produtores, ou do local onde permanecem, ainda que a velha cartilha das novidades fugazes repita o contrário.
O Menu degustação do Bar Dona Onça poderia ser apenas mais um momento badalado, com uma chef premiada, mas estar no centro de São Paulo e ter o privilégio de provar as receitas e as memórias de Janaína Torres nos levam a uma ode (poema lírico em tom alegre e entusiástico) pela gastronomia e tudo que hoje a permeia no coração das cidades.
Pelas curvas de Niemeyer, os sabores do Brasil
Não fosse o edifício Copan, nem sei por onde começar a ode (não simétrica) de hoje. É gastronomia, mas seus enredos estéticos (que vão das curvas de um dos maiores símbolos da arquitetura nacional à beleza e contraste de um bar que serve chás) vão muito além do comer para satisfazer. Então, sinto-me a vontade para poetizar – e por que não dizer: reverenciar – as escolhas que atravessam o menu do Dona Onça.
Um menu harmonizado que passeia pelo Brasil, que muitas vezes nem se conhece. É macaxeira ou mandioca? De onde vem a coxinha, o brigadeiro, o porco moura, a galinhada? Fato é que as escolhas da chef Janaina para o menu degustação do Onça quebram qualquer barreira regional que afaste quem nós somos, para identificar com sutilezas um único Brasil. De entrada, uma seleção saborosa de embutidos acompanhados de pão, que de tão brasileiro – apesar de todas as denominações regionais (francês, cacetinho, de sal, de trigo, carioquinha, massa grossa, filão) parece passar despercebido.
São oito etapas, e me perdoe se não me dedico com profundidade a cada uma delas. Merecia. Mas também não quero ser parnasiano (e chato) ao ponto de descreva-las por inteiro. As coxinhas, os pastéis e o bolinho de espinafre, por exemplo, mereciam uma pauta exclusiva que resgatasse todas as nossas memórias e as traduzisse “para qualquer gringo ver” a base da culinária dos botecos brasileiros. Ainda nas entradas, não poderia deixar de falar do canapé de carne de onça de Curitiba, uma releitura da receita original, ideal para degustar num menu brasileiríssimo como este.
De principal, o menu tem três pratos emblemáticos: um ravióli de queijos brasileiros e gema, que reverencia a imigração italiana, enraizada na culinária do Brasil. Afinal, não seriamos tão brasileiros quanto somos se não fosse a cultura italiana que um dia desembarcou no Espírito Santo e foi acolhida pelo país. O segundo principal é a galinhada mineira. De sabor marcante, vem como um ponto alto para enfatizar que a culinária local é antes de qualquer coisa temperada, condimentada, intensa. O terceiro prato, um dos mais sofisticados da noite, é a combinação de filé de porco moura, mandioquinha, pimentas brasileiras (super suave) e tucupi.
Para harmonizar essa viagem gastronômica pelo Brasil, há quatro opções: vinhos, inclusive exclusivos da casa; coquetéis completamente instigantes como o de espumante de jaboticaba produzido pela chef Janaina Torres em parceria com a Cia dos Fermentados, ou, o Travesti Waléria que leva limão, cúrcuma, gin e mel; também os coquetéis não alcoólicos e a mais nova harmonização, com chás, em parceria com a Infusiva.
Onde poderíamos imaginar uma combinação tão inusitada quanto caipirinhas de maracujá e laranja Bahia, entre canapés regionais, fine dining de porco moura e uma combinação marcante de chás gelados e quentes senão no centro de São Paulo? É no centro de muitas cidades do Brasil que estão as memórias, a crítica social, as histórias de imigração e boa gastronomia.
O contraste entre edifícios históricos e arquitetura mundial, o novo e o velho; o esquecido e o que resiste; o chic e o demodê; os mauricinhos que dividem a fila de espera com as travestis; não é um contraste que silencia. Aguça o paladar de esperanças, num lugar que parece apresentar algo que a gente já conhece entre quitutes baianos, receitas paulistas, canapés curitibanos e caldos amazônicos, mas que na verdade é a vanguarda de uma gastronomia que merece ser estandarte do Brasil. Esta também é uma ode (assimétrica) sobre uma gastronomia que não silencia raízes, provoca. Bravo!
Thiago Paes é colunista de Turismo e Gastronomia. Apresentador de tv em Travel Box Brazil. Está nas redes sociais como @paespelomundo. Press: contato@paespelomundo.com.br
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