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Uma turnê musical e o golpe da bala jujuba

“Os tempos são outros, a história mudou os sonhos se semelhantes em sua utopia, tornaram-se diferentes. Em essência o caminho existe e persiste. Ritualístico o caminho insinua, um novo século, um novo milênio, por isso, mais do que sempre, é preciso seguir!”
Carlos Adolfo Sarmento

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Belchior com o grupo Avatara (Foto: acervo Paulinho Sacra)

O ano era 1998, finalzinho do século XX, quando fui convidado a participar de um grupo musical, que daria vida e som, à obra composta por um médico psiquiatra, compositor, poeta, sonhador e muito romântico, que vislumbrava registrar sua mensagem para o novo século que se apontava com a chegada dos esperados anos 2000, no melhor estilo “new age”.

Éramos um trio, junto comigo foram convocados minha querida Ana Cristina Toledo, que daqui pra frente será “Kitú”, porque é assim que a chamamos e Paulinho Sacra, um talento jovem que despontava na música mineira naquele período.

Não preciso dizer que nos reunir em um trio, para além do trabalho que teríamos em produzir um CD que registrasse aquela inédita obra, passaria a ser uma verdadeira diversão, já que o convívio já era existente e o riso solto uma característica comum àqueles artistas. A obra textual apresentada trazia uma pegada futurista, romântica, desafiadora e pela intenção artística do projeto, exigia a elaboração de arranjos vocais, que traduzissem o espírito da nova era, que era aguardada com a chegada do século XXI.

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Uma nova era!

Nasceu o AVATARA, um nome que vem do Sânscrito que simboliza a descida de Deus ou qualquer espírito que ocupe um corpo de carne. A ideia do termo seria a representação de uma manifestação divina na terra. A música seria uma materialização de uma força espiritual. De forma muito corajosa fomos à luta, Kitú, eu e Paulinho em uma sequência aquecida de encontros de produção, ensaios, construção de arranjos vocais a partir das bases melódicas que nos eram encaminhadas e assim seguimos.

Divulgação do grupo Avatara no final do século XX (Foto: acervo Paulinho Sacra)

Uma surpresa muito satisfatória, foi saber que teríamos o lançamento do projeto do novo grupo musical, apadrinhado por ninguém menos que Belchior, uma das maiores expressões da música brasileira figurando nesse cenário, como um dos mais talentosos compositores de sua geração. Isso nos custaria gravarmos uma de suas músicas e elegemos “Divina Comédia Humana”, além de termos sua participação em uma série de shows para o lançamento do projeto e o compromisso de o acompanharmos em algumas turnês que ele fazia esporadicamente em Minas Gerais.

Passadas as divertidas aventuras de gravações com períodos hilários em estúdios, escolha de figurinos, sessões de fotos para divulgação e alguns encontros de muito aprendizado com nosso padrinho Belchior, fomos informados dos primeiros compromissos casados com a agenda de shows programadas por seus produtores locais.

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É importante dizer, que nas turnês por Minas Gerais, que para nós também era uma ótima oportunidade de fazer turismo em nosso estado, além de conhecermos lugares e pessoas muito interessantes, éramos sempre acompanhados por nosso produtor artístico, que também era o autor da obra que registramos, portanto, um médico conceituado, poeta, que cuidava pessoalmente de todos os passos do Avatara, para que tudo acontecesse da melhor forma em nossas viagens.

Esta é a parte boa da produção cultural, dedicação à vida artística é um fardo pesado, mas além do retorno financeiro a partir de uma imersão profissional, chegam também as compensações periféricas como o aumento da rede de amizades, as oportunidades de viagens por lugares que normalmente não conheceríamos e a aproximação com nomes da arte, que de ídolos passam a ser da nossa convivência.

Foram tantos momentos de arte, longas conversas, boa música, aprendizado, construção conjunta, mas sobretudo diversão, que marcaram alguns anos de nossas vidas na música. Conviver com Belchior, sua produção e os brilhantes músicos que o acompanhavam e ouvir tantas e ricas passagens de suas carreiras, era um bálsamo para todos nós, que ainda engatinhávamos nesse mercado.

Destes momentos destaco aqui o dia em que chegamos a Governador Valadares, um distante e conhecido município mineiro, localizado no Vale do Rio Doce, a uns 320 km de Belo Horizonte, o que nos exigiu uma viagem longa e a dedicação de alguns dias por lá. Após a primeira noite, saímos mais cedo do hotel para um almoço rápido no centro da cidade, porque já tínhamos agendado uma divulgação ao vivo em estúdio, na edição regional do “MGTV” e isso gerava uma grande expectativa.

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Jujuba de sobremesa na turnê musical

Naquele dia, nosso maior compromisso seria abrirmos o show de Belchior e claro, aproveitarmos para apresentar o nosso projeto AVATARA, um “New Age” mineiro, preparando o público com boa música, para o século novo. Tínhamos que estar impecáveis no palco! Entre o restaurante onde almoçamos e o carro que nos transportava, Kitú e Paulinho ávidos por uma sobremesa, acharam uma lojinha de doces e por lá ficaram alguns minutos. Paulinho e Kitú, sabiam muito bem, que eu amo balas Jujuba, especialmente as vermelhas, que são infinitamente mais saborosas que as de outras cores.

Pois bem, quando menos espero ouço os dois me chamando insistentemente do outro lado da rua, querendo que eu fosse ao encontro deles e me mostrando uma convidativa embalagem de balas jujuba e alguns chicletes Ping Pong de tuti-fruti, que já não via desde minha infância. Só por isso já fiquei ressabiado, mas minha gula por um docinho me punha pra refletir!

Mesmo de longe e com meus vários graus de astigmatismo e hipermetropia, percebi, que aquela euforia exagerada dos dois, sugeria alguma cilada, já que nenhum deles conseguia guardar a ansiedade por uma gargalhada zombeteira. Alguma coisa avisava ao meu espírito, que não deveria acreditar em tanta bondade debaixo daquele causticante sol de quase meio-dia. Estávamos a caminho do estúdio de TV para uma entrada ao vivo!

Atravessando a rua, já conseguia ver nas mãos de Paulinho as jujubas vermelhas me convidando a mordê-las ao contrário dos chicletes Ping Pong, que apesar de embalados, conseguia imaginá-los ressecados como os que mastigava antigamente! Como sempre irresistíveis, não me contive e fui logo abrindo o pacotinho de jujubas e peguei justamente a primeira bala vermelhinha que vi, antes que alguém a elegesse!

Minha sorte é que meu subconsciente mesmo interessado em um sabor docinho na boca naquele momento, me induziu a antes de mordê-la conferir a sua integridade, já que a esta altura Paulinho e Kitú já estavam se engasgando de tanto rir na minha frente. Desconfiado, peguei a jujuba vermelhinha e a coloquei contra o sol forte e percebi, que bem lá no meio da bala tinha uma pintinha escura que não me pareceu muito confiável. 

Para surpresa de todos e do nada, surgiu nosso produtor e tutor artístico, atordoado pela beleza vermelha da bala jujuba e a tirou das minhas mãos já mastigando rapidamente a bandida com tanta vontade, que nem tive tempo de manifestar minhas suspeitas sobre a bala e muito menos a insatisfação com o golpe da bala jujuba!

Entre uma mastigada e outra, ele se desculpava comigo pelo furto inesperado da minha sobremesa, alegando que amava aquelas balas, em especial as vermelhas, como eu. Mesmo irritado com a perda do meu doce, fiquei intrigado ao ver que Kitú e Paulinho a essa altura, já dobrando de rir da situação. Quando voltei meu olhar para o produtor, foi inevitável constatar, que sua boca estava completamente azulada coitado! Língua e dentes amplamente azuis e lógico, uma situação inconveniente para quem, daqui a pouco, entraria ao vivo para uma entrevista de TV, já que ele seria nosso porta voz!

Mesmo aflito e morrendo de dó da boca azul, não me contive e me juntei às gargalhadas com Paulinho e Kitú, que já choravam de rir àquela altura, com um misto de sucesso na traquinagem e aperto pelo fato do golpe da bala jujuba ter feito outra vítima, que não eu! Nem tive muito tempo pra rir, porque instantaneamente já me preocupei sobre como sairíamos daquele imbróglio, uma vez que estávamos a poucas horas da entrada ao vivo na TV.

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Como mais velho do grupo, contive meu riso e expliquei ao nosso produtor, que ele tinha caído no golpe da bala jujuba e o relatei sobre a azulada situação de sua boca e sua arcada dentária. Era uma visão hilária, confesso! Imediatamente ele abaixou-se em um retrovisor de um carro estacionado por ali e constatou, que a situação era bastante grave para aquele momento, confessando que “boca azul” era um trauma em sua vida! Deus que me perdoe, mas saber do trauma, deixou a situação ainda mais engraçada.

Não sei quantas garrafas de água ele bochechou e nem quantos guardanapos de papel saíram azuis de sua língua. Tudo em vão! O mais difícil naquele momento era me dividir entre um comportamento solidário e outro aliviado, já que aquela adoração por jujubas de nosso produtor, tinha me livrado de enfrentar um palco com uma constrangedora boca azul naquela noite! O mais inusitado é que mesmo com a boca azul, o produtor ainda preferiu que a vítima do golpe tenha sido ele e não eu, um dos vocalistas da banda! O seu medo era que uma boca azul no cantor, quebrasse o glamour da presença no palco.

Não me lembro bem o desenrolar dessa passagem, mas fato é que fizemos a entrevista na TV, tivemos nossa participação em uma casa lotada à noite e ainda curtimos mais um dos tantos shows de Belchior que acompanhamos ao vivo e em turnê por Minas Gerais. São essas memórias, que me garantem até hoje boas lembranças dos passeios e descobertas turísticas e culturais por Minas Gerais, fazendo arte, divertindo entre amigos e juntando “causos” pra contar, agora para além de minha roda de amigos.

Espero que tenham gostado dessa aventura e recomendo muito cuidado com ofertas saborosas de amigos com sorrisos disfarçados!

Até a próxima!

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