Arte centenária da tecelagem de Berilo (MG) será foco de pesquisa
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Cultura

Arte centenária da tecelagem de Berilo, em Minas Gerais, será foco de pesquisa

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Berilo/ MG (Foto: Netto Amaral)

A arte dos teares e da tecelagem artesanal é uma das práticas mais antigas da humanidade. Uma atividade iniciada a milhares de anos, é uma técnica que consiste no entrelaçamento de fios para criar tecidos, utilizando ferramentas como o tear, que pode ser manual ou mecânico.

Para quem já teve oportunidade de presenciar o feitio das peças, fica fácil entender o processo, uma vez que os fios verticais, chamados de urdidura, são esticados na estrutura do tear, enquanto os fios horizontais, conhecidos como trama, são entrelaçados para formar o tecido.

Embora simples em conceito, esse é um processo cultural, que permite a criação de peças de alto padrão, inteiramente detalhadas e que ganham cada vez mais destaque no âmbito da produção associada, principalmente no campo da atividade turística.

A tecelagem artesanal não é apenas uma forma de produção têxtil, mas se configura, como uma expressão cultural e artística. Em muitas culturas, ela reflete tradições, histórias e identidades locais, sendo utilizada para criar desde roupas e tapeçarias até objetos decorativos.

A tecelagem artesanal no mundo

No mundo, existem várias referências locacionais conhecidas pelo pioneirismo na arte milenar da tecelagem artesanal e dos teares. Na Asia, países como a Índia, China e Japão sempre se destacaram, com técnicas e padrões únicos, que variam de região para região.

Foto: Nowaja/ Pixabay

A China, tem uma longa história de tecelagem artesanal, com técnicas como a seda e o algodão sendo utilizadas há milhares de anos e com elementos e peças, que são referências em vários países. Por sua vez, o Japão é conhecido pelo alto padrão de qualidade, alcançado neste segmento, com técnicas como o kimono e o obi sendo preservadas.

Vale dizer, que o Kimono é uma das mais tradicionais vestimentas do Japão. Uma túnica longa, com mangas largas. O Obi, é aquele cinto, que sustenta o kimono, que é usado por homens e mulheres.

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Na América Latina, a tecelagem artesanal figura como uma tradição importante para o México, onde as comunidades indígenas preservam suas técnicas e se destacam pelos padrões únicos. Da mesma forma, no Peru, a tecelagem artesanal, carrega a marca das cores vibrantes e os trabalhos se desenvolvem por meio técnicas como o tapete e o tecido sendo utilizadas para criar verdadeiras obras de arte.

Em Gana e na Nigéria, no continente Africano, da mesma forma, observa-se o destaque para a tecelagem artesanal, com a marca de técnicas especiais, utilizadas para criação de tecidos coloridos e simbólicos, carregando uma longa história neste segmento.

Na Europa, a Escócia faz sua parte, mantendo a tradicional tecelagem artesanal de lã e a Itália, preserva as técnicas como a seda e o algodão, utilizados para criação de tecidos de alta qualidade.

A verdade é que, em todo o mundo, cada região tem suas próprias técnicas, padrões e tradições específicas, tornando a tecelagem artesanal uma arte rica e diversificada. Além disso, a prática artesanal valoriza o trabalho manual, a criatividade e a sustentabilidade, já que muitas vezes utiliza materiais naturais e técnicas que respeitam o meio ambiente.

A tecelagem artesanal, é uma arte que conecta o passado ao presente, preservando saberes ancestrais enquanto continua a inspirar novas gerações.

A tecelagem no Brasil

No Brasil, a tecelagem ainda é mantida em estados das regiões Norte, Nordeste, Sul e sudeste e daqui, vamos para Minas Gerais, onde projetos importantes como os desenvolvidos nos municípios de Santa Bárbara, na região do Circuito do Ouro e Berilo, no Vale do Jequitinhonha.

Em Santa Bárbara, MG, encontramos uma joia do setor, localizada no distrito denominado Brumal. Trata-se da Casa das Tecelãs,  uma associação formada por mulheres artesãs que preservam a tradição da tecelagem manual.

Elas utilizam técnicas ancestrais para criar peças especiais, como tapetes, colchas, almofadas e outros itens têxteis, valorizando o trabalho artesanal e complementando a renda familiar. A iniciativa também promove o desenvolvimento sustentável da comunidade, incentivando a economia local e a preservação cultural. Além de ser um espaço de produção, a Casa das Tecelãs é um ponto turístico que atrai visitantes interessados em conhecer o processo de tecelagem e adquirir produtos exclusivos.  

Tecelagem de Berilo (Foto: Rozana Soares)

No município de Berilo, localizada no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a tradição das tecelãs é uma das expressões mais marcantes do artesanato brasileiro.

Uma prática que remonta ao século XVIII e envolve técnicas manuais de tecelagem que foram passadas de geração em geração. Também por lá, as mulheres da região se dedicam ao trabalho de cardar, fiar e tecer o algodão, criando peças como tapetes, colchas e diversos itens têxteis, preservando a mais genuína arte do tear.

Atualmente, a produção artesanal em Berilo é organizada em associações comunitárias, como as de Roça Grande, Engenho Velho e Barra do Ribeirão. Essas associações não apenas preservam a tradição, mas também geram renda para as famílias locais, promovendo o desenvolvimento sustentável das comunidades.

A tecelagem em Berilo, é um exemplo vivo de como o artesanato pode ser uma ponte entre o passado e o presente, mantendo viva a identidade cultural da região, promover o pensamento sustentável e ser insumo para a preservação de ofícios, geração de renda e preservação da herança cultural do município.

O processo se dá pelos fios que se cruzam, pacientemente, em um ritmo quase hipnótico. Assim nasce uma peça feita em tear, uma técnica milenar que transforma linhas soltas em verdadeiras obras de arte. Cada ponto, cada trama, carrega história, cultura e afeto.

E é essa arte que resiste ao tempo e se mantém viva em pequenos cantos do Brasil, como na pacata cidade de Berilo, situada no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Vale a pena conhecer de perto. Com mais de 300 anos, o município de Berilo, é conhecido pelas belezas naturais e riqueza cultural, por meio dessa atividade que atravessa gerações e que hoje é símbolo de identidade para suas comunidades.

A tradição, a pesquisa e a memória cultural

A tecelagem artesanal ocupa lugar de destaque e será, inclusive, foco de uma pesquisa inédita.

O projeto, que propõe ações de identificação, valorização e salvaguarda desse saber ancestral, busca registrar formalmente o ofício e homenagear as mestras tecelãs que, há décadas, mantêm viva essa prática. A iniciativa está sendo apresentada neste início de maio, em diferentes espaços do município, convidando moradores e visitantes a conhecer de perto o valor desta herança cultural.

No feriado do dia 1º, foi apresentado o detalhamento da iniciativa na Comunidade Quilombola Roça Grande. No evento, uma apresentação especial do Coral Trovadores do Vale. No dia seguinte, a apresentação se deu, no Casarão Domingos de Abreu Vieira. 

Na sequência programada para a apresentação itinerante da pesquisa, no dia 3 de maio, às 18h, é a vez da Comunidade de Santo Isidoro, que será o cenário para mais uma mostra da pesquisa, dessa vez aberta a toda a comunidade local.

Pelo Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Berilo ocupa a segunda posição do ranking nacional de proporção de população quilombola. Dos 9.826 habitantes, 5.735, que correspondem a 58,37% da população, se autodeclaram quilombolas.

Artesã Ivone Machado (Foto: Rozana Soares)

A cidade faz parte da Rota dos Quilombos, juntamente com os municípios de Chapada do Norte e Minas Novas. Uma região culturalmente rica e com uma paisagem que se destaca!

Para a artesã Ivone Machado, que faz parte da Associação de Produtores e Artesãos de Roça Grande (APARG), da Comunidade Quilombola Roça Grande, área rural de Berilo, a pesquisa sobre o ofício da tecelagem manual em Berilo será muito importante. “Vai contribuir para registrar aquilo que a gente faz há muito tempo nas nossas comunidades. Coisas de nossos avós, bisavós, e que nunca foram formalmente documentadas”, diz.  

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Hoje, na associação, um grupo de mulheres produz colchas, redes, caminhos de mesa, almofadas, peseiras, uma peça têxtil que geralmente é colocada aos pés da cama, funcionando como um elemento decorativo e funcional, que pode ser feita em tear manual, utilizando materiais como algodão, lã ou fibras naturais, e apresenta texturas e padrões únicos que valorizam o trabalho artesanal, além de outras peças, que são feitas manualmente.

Moda

A fama do tear ultrapassou as fronteiras de Berilo e ganhou destaque na capital paulistana. O trio de tecelãs e empreendedoras culturais, Eni Batista, Ivone Machado e Alaíde Sales, da APARG produziram tecidos que foram utilizados para a confecção de roupas para o desfile do São Paulo Fashion Week, em 2024, maior evento de moda da América Latina.

Artesã Eni Batista (Foto: Rozana Soares)

Foram desenvolvidos quatro looks e alguns acessórios pelo estilista Antônio Castro em parceria com Maria Helena Emediato e a designer e pesquisadora Maria Fernanda Paes de Barros. 

Não é a primeira vez, que os grandes nomes da moda recorrem à produção cultural e artesanal do interior do país, para enriquecer as mais requintadas passarelas.

Salvaguarda e reconhecimento cultural

Para garantir a preservação e valorização desse importante patrimônio imaterial, a pesquisa sobre a arte do tear está sendo desenvolvida para destacar o valor estético das peças de tecelagem, além de dar visibilidade aos modos de vida e narrativas que traduzem a história e a resistência do povo de Berilo.

Destinado principalmente às artesãs, artesãos e produtores rurais que mantêm viva a tecelagem manual nas comunidades berilenses, “o projeto reconhece esses detentores de saberes como guardiões de um patrimônio que é de todos. Ao valorizar esses profissionais, busca-se também promover a produção têxtil e as ideias, práticas e modos de vida a ela associados”, afirma Rozana Soares. Ela acrescenta que “a tecelagem é mais do que um ofício, é uma expressão da identidade e da memória coletiva de um povo que segue tecendo o futuro, com seus fios e histórias”.

O Projeto foi selecionado no Edital do Programa Nacional de Patrimônio Imaterial (PNPI) 2023 – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o qual teve um impacto significativo na salvaguarda do patrimônio cultural imaterial brasileiro, com um investimento recorde de R$ 22 milhões.

O edital selecionou 58 projetos entre 190 propostas apresentadas, tornando-se o maior investimento na história do PNPI. As iniciativas escolhidas abrangeram ações de pesquisa, promoção e fomento de bens culturais imateriais, com foco em comunidades e tradições populares.

A tradição das tecelãs de Berilo não é apenas uma arte manual, mas um legado que conecta gerações e promove o desenvolvimento sustentável da comunidade. Particularmente, eu louvo iniciativas como estas todas citadas neste conteúdo.

Ao preservar técnicas ancestrais e transformar o algodão em verdadeiras obras de arte, essas mulheres artesãs nos mostram que a cultura, além de enfeitar o presente, é um elo fundamental com o passado e uma ponte concreta para o futuro.

Importante agradecer à jornalista Ivana Andrade, que por meio de sua assessoria, nos trouxe a contribuição com conteúdo de hoje, que nos chega como sugestão desta belíssima pauta.

Que a força e a criatividade da tecelagem artesanal, inspire outras iniciativas que valorizem o artesanato e mantenham viva a identidade cultural do Vale do Jequitinhonha, de Minas Gerais e do Brasil.

Até a Próxima.

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